Este novembro negro nos
trouxe uma surpresa, que não poderia ser melhor.
Pela fan page do
Literatura e afrodescendência, o contista Hélio Penna conheceu o nosso
trabalho e quis fazer parte dele. Como? Nos enviando alguns dos seus contos
para serem publicados em nosso blog, o que para nós foi uma honra, pois é um privilégio poder
enfeitar nosso cantinho com palavras tão fortes, belas e expressivas.
E o escritor é Hélio José
Lima Penna, de 52 anos, filhos de operários e nascido no subúrbio do Rio de
Janeiro.
Casado, sacerdote do
Candomblé, Dirigente Sindical, e após o ingresso no curso de Letras, na
Fundação Educacional Unificada Campograndesense, encontrou professores
comprometidos com o povo brasileiro, e nesse caminho a escrita da adolescência
encontrou ainda mais força.
É um escritor
profundamente comprometido com o drama do povo pobre do Brasil. E foi influenciado
pelos músicos: Cartola, Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, João Nogueira...
E os escritores Jorge Amado, Anton Tchékhov. Jorge Medauar, Graciliano Ramos,
Moacyr Scliar, Nelson Rodrigues.
E conhecido o artista,
conheçamos sua arte:
KEINDE
HÉLIO JOSÉ LIMA PENNA
Para Tauna dos Santos
Ricardo Nery e
Stela Guedes Caputo
A
mãe penteia cuidadosamente a filha, arrumando-a para o seu primeiro dia de
aula. A menina vestiu a saia, as meias e os sapatos do uniforme da escola
pública.
O
cabelo de Keinde era dividido em partes que pareciam pequeninas árvores
enfeitadas com os cordões coloridos, que a mãe confeccionava. Pelas trilhas que
o penteado desenhava, a mãe, às vezes, passava suavemente a ponta dos dedos. Os
braços da menina ficavam cobertos de grãozinhos, quais estrelinhas no céu da
pele negra.
-
Para, mãe! – a garota encolhia-se e ria o seu riso brilhante.
Abraçou-a com ternura. Encantada com a beleza
e a inteligência da filha, que sabia ler, escrever e fazer contas.
-
Você prestou atenção no que a tua avó lhe disse ontem? – perguntou, enquanto
vestia-lhe cuidadosamente a blusa escolar impecável.
-
Prestei atenção, sim – respondeu.
Foi
a avó que ministrou as primeiras aulas de leitura, escrita e matemática para
Keinde. Durante o aprendizado, a neta descobriu a importância e a necessidade
dos conhecimentos oferecidos pela escola, mas soube também que o colégio pode
arrancar as raízes da pessoa e torná-la doente. Era preciso ter cuidado,
aconselhou a avó. O homem ou a mulher sem as suas raízes é como um saco vazio,
que viaja ao vento. É alguém sem forças para reagir contra as maldades.
Na despedida, tomou a cabeça da filha em suas
mãos e beijou cada um dos pedacinhos do seu cabelo; mergulhando no doce
perfume. Keinde sairia de casa sozinha pela primeira vez. Muitos temores
deixavam-na apreensiva. Um deles, o de que a garota sofresse algum tipo de
discriminação, como ela sofrera, por pertencer ao candomblé.
- Anda, mãe, chega de me beijar, ai! Quero ir
para a escola.
Chamou-a
mais uma vez, quando a menina cruzava o portão:
-
Keinde!
A
filha girou vagarosamente o corpo, com os braços cruzados e os lábios levemente
contraídos, como era o seu jeito de mostrar impaciência.
-
Muito cuidado – pediu, entregue à meiguice daquele olhar.
A
escola ficava perto. Keinde seguiu na companhia de outras crianças que passavam
uniformizadas. A criançada buscava as sombras das árvores, pois o Sol daquela
manhã já brilhava intensamente.
Ela ainda permaneceu longo tempo no portão, a
refletir. A inquietação desapareceu. Confiava que os saberes transmitidos à
Keinde a orientariam na travessia.
O conto
"Keinde" teve inspiração no livro "Educação nos terreiros",
de Stela Guedes Caputo.
Um comentário:
Hélio Penna é um escritor de primeira. Seus contos têm uma sensibilidade calcada no real, de forma que podemos "ver" perfeitamente as imagens e os sentimentos trazidos à tona por seus textos. Parabéns ao blog pela bela "aquisição".
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