sexta-feira, 29 de novembro de 2013

KEINDE, de Hélio Penna

Este novembro negro nos trouxe uma surpresa, que não poderia ser melhor.

Pela fan page do Literatura e afrodescendência, o contista Hélio Penna conheceu o nosso trabalho e quis fazer parte dele. Como? Nos enviando alguns dos seus contos para serem publicados em nosso blog, o que para nós foi uma honra, pois é um privilégio poder enfeitar nosso cantinho com palavras tão fortes, belas e expressivas.

E o escritor é Hélio José Lima Penna, de 52 anos, filhos de operários e nascido no subúrbio do Rio de Janeiro.
Casado, sacerdote do Candomblé, Dirigente Sindical, e após o ingresso no curso de Letras, na Fundação Educacional Unificada Campograndesense, encontrou professores comprometidos com o povo brasileiro, e nesse caminho a escrita da adolescência encontrou ainda mais força.

É um escritor profundamente comprometido com o drama do povo pobre do Brasil. E foi influenciado pelos músicos: Cartola, Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, João Nogueira... E os escritores Jorge Amado, Anton Tchékhov. Jorge Medauar, Graciliano Ramos, Moacyr Scliar, Nelson Rodrigues.
E conhecido o artista, conheçamos sua arte:


KEINDE

HÉLIO JOSÉ LIMA PENNA

Para Tauna dos Santos
Ricardo Nery e
Stela Guedes Caputo

           
           
            A mãe penteia cuidadosamente a filha, arrumando-a para o seu primeiro dia de aula. A menina vestiu a saia, as meias e os sapatos do uniforme da escola pública.
            O cabelo de Keinde era dividido em partes que pareciam pequeninas árvores enfeitadas com os cordões coloridos, que a mãe confeccionava. Pelas trilhas que o penteado desenhava, a mãe, às vezes, passava suavemente a ponta dos dedos. Os braços da menina ficavam cobertos de grãozinhos, quais estrelinhas no céu da pele negra.
            - Para, mãe! – a garota encolhia-se e ria o seu riso brilhante.
             Abraçou-a com ternura. Encantada com a beleza e a inteligência da filha, que sabia ler, escrever e fazer contas.
            - Você prestou atenção no que a tua avó lhe disse ontem? – perguntou, enquanto vestia-lhe cuidadosamente a blusa escolar impecável.
            - Prestei atenção, sim – respondeu.
            Foi a avó que ministrou as primeiras aulas de leitura, escrita e matemática para Keinde. Durante o aprendizado, a neta descobriu a importância e a necessidade dos conhecimentos oferecidos pela escola, mas soube também que o colégio pode arrancar as raízes da pessoa e torná-la doente. Era preciso ter cuidado, aconselhou a avó. O homem ou a mulher sem as suas raízes é como um saco vazio, que viaja ao vento. É alguém sem forças para reagir contra as maldades.
Na despedida, tomou a cabeça da filha em suas mãos e beijou cada um dos pedacinhos do seu cabelo; mergulhando no doce perfume. Keinde sairia de casa sozinha pela primeira vez. Muitos temores deixavam-na apreensiva. Um deles, o de que a garota sofresse algum tipo de discriminação, como ela sofrera, por pertencer ao candomblé.
- Anda, mãe, chega de me beijar, ai! Quero ir para a escola.
            Chamou-a mais uma vez, quando a menina cruzava o portão:
            - Keinde!
            A filha girou vagarosamente o corpo, com os braços cruzados e os lábios levemente contraídos, como era o seu jeito de mostrar impaciência.
            - Muito cuidado – pediu, entregue à meiguice daquele olhar.       
            A escola ficava perto. Keinde seguiu na companhia de outras crianças que passavam uniformizadas. A criançada buscava as sombras das árvores, pois o Sol daquela manhã já brilhava intensamente.
Ela ainda permaneceu longo tempo no portão, a refletir. A inquietação desapareceu. Confiava que os saberes transmitidos à Keinde a orientariam na travessia.

O conto "Keinde" teve inspiração no livro "Educação nos terreiros", de Stela Guedes Caputo.


Um comentário:

Newton Barra disse...

Hélio Penna é um escritor de primeira. Seus contos têm uma sensibilidade calcada no real, de forma que podemos "ver" perfeitamente as imagens e os sentimentos trazidos à tona por seus textos. Parabéns ao blog pela bela "aquisição".