segunda-feira, 6 de junho de 2011

O Solar dos Príncipes a nossa maneira

Ainda continuando nossos trabalhos com o gênero literário conto, nós pedimos para que os nossos alunos mudassem o final de "Solar dos Príncipes", de Marcelino Freire. Dessa vez fizemos diferente de como trabalhamos o conto "Boneca", de Cuti: nós lemos todo o conto "Solar dos Príndipes" e discutimos o assunto abordado, após isso, eles já conhecendo o final da história, teriam a oportunidade de mudar, de fazer com o que o fim do texto ficasse da maneira com que eles queriam. Então, vamos lá!

Solar dos Príncipes
 Marcelino Freire

            Quatro negros e uma negra pararam na frente deste prédio.
            A primeira mensagem do porteiro foi “Meu Deus!” A segunda: “O que vocês querem?” ou “Qual o apartamento?” Ou “Por que ainda não consertaram o elevador de serviço?”
            “Estamos fazendo um filme”, respondemos.
            Caroline argumentou: “Um documentário”. Sei lá o que é isso, sei lá, não sei. A gente mostra o documento de identidade de cada um e pronto.
            “Estamos filmando”.
            Filmando? Ladrão é assim quando quer sequestrar. Acompanha o dia-a-dia, costumes, a que horas a vítima sai para trabalhar. O prédio tem gerente de banco, médico, advogado. Menos o síndico. O síndico nunca está.
-        De onde vocês são?
-        Do Morro do Pavão.
-        Viemos gravar um longa-metragem.
-        Metra o quê?
            Metralhadora, cano longo, granada, os negros armados até as gengivas. Não disse? Vou correr. Nordestino é homem. Porteiro é homem ou não é homem? Caroline dialogou: “A ideia é entrar num apartamento do prédio, de supetão, e filmar, fazer uma entrevista com o morador.”
            O porteiro: “Entrar num apartamento?”
            O porteiro: “Não.”
            O pensamento: “Tô fudido”.
            A ideia foi minha, confesso. O pessoal vive subindo o morro para fazer filme. A gente abre as nossas portas, mostra as nossas panelas, merda.
            Foi assim: comprei uma câmera de terceira mão, marcamos, ensaiamos uns dias. Imagens exclusivas, colhidas na vida da classe média.
            Caroline: “Querido, por favor, meu amor.” Caroline mostrou o microfone de longe. Acenou com o batom, não sei.
            Vou bem levar paulada de microfone? O microfone veio emprestado de um pai-de-santo que patrocinou.
            O porteiro apertou o apartamento 101, 102, 108. Foi mexendo em tudo que é andar. Estou sendo assaltado, pressionado, liguem para o 190, sei lá.
            A graça era ninguém ser avisado. Perde-se a espontaneidade do depoimento. O condômino falar como é viver com carros na garagem, saldo, piscina, computador interligado. Dinheiro e sucesso. Festival de Brasília. Festival de Gramado. A gente fazendo exibição no telão da escola, no salão de festas do prédio.
            Não.
            A gente não só ouve samba. Não só ouve bala. Esse porteiro nem parece preto, deixando a gente preso do lado de fora. O morro tá lá, aberto 24 horas. A gente dá as boas-vindas de peito aberto. Os malandrões entram, tocam no nosso passado. A gente se abre que nem passarinho manso. A gente desabafa que nem papagaio. A gente canta, rebola. A gente oferece a nossa coca-cola.
            Não quer deixar a gente estrear a porra do porteiro. É foda. Domingo, hoje é domingo. A gente só quer saber como a família almoça. Se fazem a mesma festa da nossa. Prato, feijoada, guardanapo. Caralho, não precisa de síndico. Escute só. A gente vai tirar a câmera do saco. A gente mostra que é da paz, que a gente só quer melhorar, assim, o nosso cartaz. Fazer cinema. Cinema.           Veja Fernanda Montenegro quase ganha o Oscar.
-        Fernanda Montenegro não, aqui ela não mora.
            E avisou: “Vou chamar a polícia.”
(A partir daqui, eles criaram o novo final)
            A gente: “Chamar a polícia?”
            Não tem quem goste de polícia. A gente não quer esse tipo de notícia. O esquema foi todo montado num puta sacrifício. Nicholson deixou de ir vender churros. Caroline desistiu da boate. Eu deixei esposa, cadela e filho. Um longa não, é só um curta. Alegria de pobre é dura. Filma. O quê? Dei a ordem: filma.
            Começamos a filmar tudo. Alguns moradores posando a cara na sacada. O trânsito que transita. A sirene da polícia. Hã? A sirene da polícia. Todo filme tem sirene de polícia. E tiro. Muito tiro.
            Em câmera violenta. Porra Johnattan pulou o portão de ferro fundido. O porteiro trancou-se no vidro. Assustador. Apareceu gente todo tipo. E a ideia não era essa. Tivemos que improvisar.
            Sem problema, tudo bem.
            Na edição a gente manda cortar.


Ednalva Teixeira de Sousa 1ºB

E avisou: “vou chamar a polícia.”
Os quatro negros e a negra pediram ao porteiro que tivesse calma, pois nós não queremos matar, roubar e sequestrar ninguém; nós só queremos mostrar o dia de domingo da pessoas da classe alta. Mas mesmo assim o porteiro não acreditou e continuou a dizer que iria chamar a polícia.
E apareceu gente de todo tipo. E a ideia não era essa, mas filmamos tudo para mostrar a todos como é diferente o tratamento das pessoa ricas com as pessoas negras e pobres.

Angerlânia Martins do Nascimento

O porteiro disse que vai chamar a polícia, mas depois desistiu.
Começamos a filmar dentro do prédio e vimos como era a vida dos ricos. Eles nos contaram as histórias da suas vidas, como eles fizeram para crescer nos negócios.
Depois da entrevista fomos fazer a edição do filme; e ficou bom. Não vou precisar cortar nada, saiu tudo perfeito.

Joseilma

“Vou chamar a polícia!”
Nesse momento Johnattan se enfurece e diz – ah, não. Polícia! Quando é para vocês irem onde nós moramos não é essa baixaria toda, abrimos nossas portar como se fossem da família, agora, quando é o contrário nos humilham.
Numa boa cara!
Da próxima vez vamos até chamar vocês pro churrasco.
Ta beleza

Larissa Andrade Guedes da Silva 1ºA

“Vou chamar a polícia.”
“Chamar a polícia?”
Não precisa, pois já estamos indo embora. Tentamos e não conseguimos, mas você devia ter confiado um pouco em nós. Vamos filmar sem entrar, pois o que vale é o nosso trabalho e o senhor é um pobre racista só porque somos negros e moramos na favela não quer nos deixar entrar.

Alexsandro Pereira

E avisou: “vou chamar a polícia”
A gente: “não precisa chamar a polícia, nós vamos embora, não queremos nenhuma confusão. Só queremos filmar como é o domingo das pessoas ricas e se é parecido com o nosso domingo.”

As aulas sobre Conto deram o que contar

Faz tempo que não postamos, é por que a correria está grande. Mas queremos mostrar como foi produtiva as aulas sobre conto. Utilizamos textos de Monteiro Lobato, Marcelino Oliveira e Cuti. Podemos dizer que as aulas foram super produtivas.
Em um dos exercícios trabalhamos com o Conto "Boneca", de Cuti, e foi feito um trabalho de continuidade: paramos o conto em momentos decisivos e  pedimos para que os próprios alunos continuassem a história oralmente. E todos participaram, empolgados em descobrir e acertar o que iria acontecer; por fim pedimos para que os alunos escrevessem o final do conto, sem conhecerem o verdadeiro final da história. E os resultados dos nossos contistas foram esses aí:

Conto: Boneca
Autor: Cuti


Nenhuma! Cansou de tanto andar. Perguntara muito. Ouvira respostas de todo tipo. Algumas vezes reagira à escassa delicadeza de certos balconistas e mesmo às ironias finas. Em outros momentos fora levado à autocomiseração, depois de ouvir, por exemplo:
            Sinto muito!...
            Ou:
            Queira nos desculpar... A fábrica não fornece, sabe...
            Desanimar? Não. Não havia porquê desistir de encontrar o presente de Natal para a filha. Ele estava em plena forma física de seus 33 anos. Além disso, era como se a pequena conduzisse pelas ruas do centro comercial. Continuar a procura, mesmo pisoteando o cansaço, era uma missão.
            Com entusiasmo, entrou na loja seguinte. Cheia! Aguardou pacientemente. Uma mocinha branca, de ar meigo e aspecto subnutrido, indagou?
            O senhor já foi atendido?
            Não. Por gentileza, estou procurando uma boneca...
            Temos várias. Olha aqui a Barby, a Xuxinha... E a loirinha foi apanhando diversas bonecas. Colocava-as sobre o balcão, como se escolhesse para si. Olha que gracinha esta aqui de olhos azuis! É novidade. Chegou ontem e já vendeu quase tudo. Choram tem chupeta, faz pipi... E essa outra aqui? Não é uma graça? E levou ao colo a ruivinha de tom amarelado, bem clarinha. Mexeu-lhe os bracinhos e as perninhas, e indagou: Não gostou de nenhuma?
            É que estou procurando uma boneca negra...

            Meia hora de espera.
            Tem sim! o do no da loja dirigia-se à empregada. Procura melhor, na prateleira de baixo, lá em cima mesmo, perto da pia.
            A moça subiu de novo a escada, depois de sorrir um submisso constrangimento.
            Desceu mais uma vez, recebeu novas instruções e tornou a sorrir. Em seguida, do alto do mezanino, mostrou o rostinho gorducho, marrom escuro, de uma boneca. Radiante, a balconista empunhava-a como um troféu. Assis desceu a escada. Mas, descuidando-se nos degraus, despencou-se. Todos se apavoraram. As colegas de trabalho foram em socorro.
            Nenhuma fratura. Apenas um susto. O patrão exasperou-se, mas logo conseguiu controlar-se, vermelho como pimenta malagueta. A loja estava cheia. Foi atender o cliente:
            O senhor desculpe a demora e o transtorno. Mas, ...

Joseilma Oliveira 1º B

... Mas pelo fato do senhor ter nos provocado toda essa bagunça, não vamos poder vender o objeto.
Mas senhor eu já andei em muitas outras lojas é um presente muito especial, eu pago o que for, mas me venda essa boneca.
O vendedor pergunta: pelo visto é um presente muito mais que especial não é?
Ouve um momento de reflexão, e ao olhar para a garota o vendedor percebeu que a menina pegou a mão do pai e disse: papai, o melhor presente de Natal que o senhor me deu foi sua determinação para me fazer feliz, obrigada.
O vendedor se emocionou com as belas palavras dita pela menina e falou: querida, esse é o meu presente de Natal para você e deu de presente a boneca a garota, que saiu da loja toda sorridente.

Larissa Andrade Guedes 1º A

...Mas a única boneca que tinha devido o acontecimento se quebrou, não posso fazer mais nada pelo senhor, desculpa!
E o pai descontente foi a procura em outra loja que foi onde ele encontrou a linda boneca negra que tanto sua filha queria.


Daisy Barros Miranda 1ºA

Me desculpe a demora, mas infelizmente, devido a tanto tempo da boneca ficar guardada no depósito, ela não resistiu à queda e acabou quebrando.
Mas para sua alegria, ao chegar em casa, sua esposa havia passado em uma outra loja, depois do trabalhos, e encontrou a boneca que sua filhinha tanto queria. E a criança ficou tão contente, como também, os pais e assim viveram felizes, pois viram sua filha feliz com sua linda bonequinha negra.

Jaqueline Pereira da Silva 1ºA

Mas, após o acidente, perceberam que a boneca estava quebrada.
- Calma! Não se preocupe. Aqui está outra boneca idêntica á outra; vimos que ainda tinha sobrado esta e está inteirinha.
Então o pai da menina foi embora muito feliz por ter conseguido a linda boneca e ao chegar em casa presenteou a sua filha e ela ficou muito feliz, pois eu pai realizou o seu lindo desejo: ter uma boneca negra.

Matheus Silva Brandão 1ºA

Mas era uma boneca única e de outra geração e a última a ser inventada, com isso chamou atenção dos trabalhadores que viram a boneca desmontada. O pai da menina comprou a boneca toda desmontada e levou para consertar, depois que foi consertada, o pai levou a boneca para a filha, explicou todos os fatos. A filha que não ligou para o assunto e ficou feliz com a sua boneca.

Joseilton dos Anjos da Silva 1ºB

Mas não era a boneca desejada e ele voltou para a casa triste e contou para a sua filha. E disse:
- Desculpa, eu não encontrei a sua boneca.
E a menina passou o Natal triste.

Weliton Nascimento

- Mas, lamento lhe informar que a boneca não está em bom estado. Quando minha funcionária se descuidou e despencou da escada, caiu em cima da sua boneca, mas se você quiser leva-la custará a metade do preço.
Daí o homem que queria comprar a boneca perguntou:
- Posso ver em que estado a boneca está?
- Claro que sim, venha que eu lhe mostro.
O homem seguiu o moço, viu que a boneca estava apenas com os braços fora do lugar e falou:
- Vou leva-la porque minha filha quer muito esta boneca e eu rodei toda a cidade e não consegui achar.
O vendedor embrulhou a boneca e entregou ao homem dizendo:
- Obrigado e volte e sempre!
O homem chegou em casa, viu a sua filha e lhe entregou o presente. A garota desembrulhou o presente e viu a sua boneca com os braços separados do corpo. Ela foi a até o pai chamando.
- Papai, você diz que me ama e traz uma boneca sem braços?
O seu pai pegou a boneca, pegou os dois braços e olhou para sua filha e falou:
- Filha, vem aqui para perto do papai! Olha filha, esta boneca é especial: ela monta e desmonta.
A garota saiu alegre, gritando e pulando feliz com sua nova boneca pretinha que monta e desmonta.


Esses foram os finais feitos pelos nossos alunos e aí está o final real escrito por Cuti:

... não foi nada. O importante é que encontramos o produto. Está em falta, sabe... Eles não entregam. Eu mesmo encomendei na semana passada. Mas o representante disse que a firma está exportando para a África. Está certo, mas aqui também tem freguês que procura, não é? O senhor é brasileiro?
            Sim.
            Então... O homem engoliu a frase e preparou a nota.

            Já na rua, o pai, entre tantos pensamentos, alguns desagradáveis, lembrou da descontração a que fazia jus, depois de suar expectativas naquela manhã de dezembro. Respirou fundo. Contemplou o lindo embrulho de motivações natalinas, em que se destacavam o Papai Noel, crianças louras e muita neve. Seguiu, os passos lentos, em direção a uma lanchonete.
            Vai uma loira gelada aí, chefe? pronunciou o balconista ao vê-lo sentar-se junto ao balcão.
            Sorriu, confirmando com um gesto de polegar.
            Ao primeiro gole de cerveja, sentiu-se profundamente aliviado e feliz.


Cuti. Boneca. In: Negros em contos, pp. 11-13